domingo, 23 de setembro de 2012

O povo saiu à rua num dia assim.



1. NO PRAZO DE UM ANO E MEIO (12 de Março de 2011 – 15 de Setembro de 2012), duas enormes vagas de manifestações expressaram nas ruas de todo o país a revolta contra as medidas de austeridade. Pelo meio, inúmeras greves e lutas de resistência deram continuidade, praticamente diária, ao protesto de grande parte dos trabalhadores.

O que ficou dito é simples de entender: quem trabalha abomina a política de Sócrates, de Coelho e da troika.

2. OS PROTESTOS JÁ NÃO PODEM ser ignorados nem desvalorizados; as pequenas lutas e as greves sectoriais não podem ser consideradas inúteis. Está a dar-se uma lenta mas segura mudança do comportamento das massas jovens, das classes médias assalariadas e das classes trabalhadoras. A resignação e o conformismo estão a acabar. Em seu lugar, a revolta e a indignação são abertamente gritadas. A busca de um outro caminho está em curso. A chantagem de que “não há alternativa” perde terreno.

Neste ano e meio, a indignação maciça, mas ainda difusa, do 12 de Março evoluiu para a revolta do 15 de Setembro e apontou a um alvo político comum: a troika, a política de austeridade, o governo.

3. NÃO FOI O GOVERNO que não conseguiu “passar a sua mensagem”. Foi a prometida recuperação económica que afinal se revelou uma miragem para quem trabalha e para quem quer trabalho e não o tem. Os sacrifícios impostos não só se tornaram insuportáveis como se mostraram inúteis.

A verdadeira mensagem – empobrecer o povo a todo o custo – foi plenamente entendida… e foi rejeitada. Os trabalhadores cansaram-se de ser roubados e recusam esse caminho.

A “maioria silenciosa” a que o primeiro-ministro cinicamente fez apelo, em socorro da sua política, aguentou durante muito tempo. Parecia mesmo aguentar tudo. Agora, mostra que já não suporta tanta injustiça.


4. O PODER (governo, patrões, forças do regime) encontra-se neste momento entalado entre a necessidade de continuar a castigar o Trabalho, por imperativo da crise, e o risco de grandes conflitos sociais, evidenciado nos protestos de massas.

É este o dilema que leva o patronato e as suas brigadas de ideólogos e de comunicadores a distanciarem-se de algumas das medidas anunciadas pelo governo, a tentar moderá-las, a inventar melhores explicações, a criticar a “insensibilidade social” da sua equipa governativa. É este o dilema que alimenta a crise na coligação. É este o dilema que leva a Conferência Episcopal a erguer as mãos ao céu contra o risco de “ingovernabilidade” do país. É ainda este dilema que leva o PS a atacar algumas das medidas anunciadas, mas a manter-se caninamente fiel ao programa da troika.


5. AS MEDIDAS ANUNCIADAS por Coelho e Gaspar, depois do aval da troika, constituem mais um pacote diversificado de ataque às condições de vida dos assalariados. Contra o que tinham dito, vem aí mais austeridade: reduções salariais, subida do IRS, despedimentos na função pública, cortes de subsídios da Segurança Social, aumento brutal da contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social e redução da dos patrões (TSU), e o mais que se verá.


A decisão sobre a TSU espelha de modo mais gritante a transferência directa de rendimentos do Trabalho para o Capital: reduz os custos dos patrões, embaratecendo a mão de obra; sugere a ideia de fazer depender o sistema de segurança social apenas dos trabalhadores; e, como revelou o secretário de Estado Moedas numa reunião com empresários, pretende “dar liquidez” às empresas – do bolso dos trabalhadores, obviamente.

O risco político que os patrões e os seus corifeus vêem nisto é o de transportar o conflito Capital-Trabalho para o interior das empresas, coisa que até agora se tem mantido em limites controláveis pelo patronato. Daí o clamor em torno da TSU.


6. MAS O CLAMOR em torno da TSU está a ter o efeito de colocar na sombra tudo o mais. Não é inocente este foco sobre apenas uma das medidas. É aí que o patronato, o governo e o PS estão a apostar para obter uma saída airosa que não ponha em causa nem a permanência do governo nem a continuidade da política da troika. Um “recuo”, como diz o PS, ou uma “readequação”, como dizem os patrões, do governo na questão da TSU é a chave que uns e outros procuram para a situação.


O PS insiste nisso na mira de obter uma vitória fácil e de curto alcance para evitar uma crise governativa que o poria nos cornos do touro. Por isso, Seguro insiste no estafado argumento da “legitimidade democrática” da equipa PSD-CDS para governar até 2015, reduzindo a zero a legitimidade democrática dos protestos de centenas de milhares de portugueses. Por isso, também, Proença afirmou, após reunião no palácio de Belém, que acabar com a medida relativa à TSU é fundamental “para travar” (sic) a onda de descontentamento que percorre o país.


Importa denunciar esta busca de uma vitória de Pirro, que teria o condão de deixar passar todas as demais medidas e eventualmente outras “de compensação” da TSU. Só uma luta dirigida contra a política de austeridade, toda ela, poderá travar esta burla que está a ser activamente preparada pelos “críticos” do governo.


7. PARA ALÉM DA DESCIDA dos salários, da precarização do emprego e da privatização das empresas públicas, os grandes alvos da política capitalista são o desmantelamento da Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde e do Ensino público. Tudo sectores que o capital privado ambiciona, a coberto de cortar na “despesa” do Estado.

Em contrapartida, as despesas com as forças armadas e as polícias mantêm-se ou aumentam. Será preciso explicar porquê?


Desmantelar é o propósito que se esconde debaixo da reclamada “reforma do Estado”. Não são as despesas dos gabinetes ministeriais nem das frotas automóveis que estão na mira dos patrões, do governo e da troika: são os serviços estatais de carácter social que representam salário indirecto e condições de vida de quem trabalha – e que, uma vez privatizados, significam lucro.


Também a este respeito só será eficaz uma acção de massas que reforce a luta contra a política de austeridade no seu conjunto, incluindo a defesa dos direitos sociais assegurados pelo Estado.


8. ASSISTIMOS A UM NOVO episódio da crise em que está mergulhado o sistema económico e o sistema social em que vivemos. Como se tem visto, o capitalismo não tem outro caminho que não seja descarregar os custos sobre os trabalhadores. Com a agravante de o caminho produzir resultados contrários aos pretendidos.


É dessa incapacidade de fundo e do crescer da revolta que derivam as súbitas acusações (“incompetência”, “impreparação”, “insensibilidade”) a uma equipa governativa até há pouco tão acarinhada e dada como impecável pelo patronato.

A desautorização do governo pelos próprios patrões mostra que a equipa já esgotou o seu papel. Resta ao patronato remendá-la, já que não tem à vista alternativa viável.

Desta vez, é o governo que está com contrato a termo.


9. TODAVIA, AS FORÇAS DO REGIME receiam, e querem evitar, uma situação à grega em que as sucessivas medidas de austeridade e a crescente resistência de massas desgastaram a base política de apoio não só do capital nacional como do capital europeu. As manifestações de 15 de Setembro produziram um efeito semelhante entre nós: nem a coligação PSD-CDS tem já crédito, nem o PS é visto como solução.


É a percepção deste desgaste que leva o tão democrata Mário Soares a apostar num governo “de salvação nacional”, sem eleições: para poupar os partidos do poder a uma possível humilhação nas urnas e para assegurar à troika um interlocutor interno não sujeito a sufrágio.


10. MAS ENQUANTO O SISTEMA de poder permanecer como está, seja qual for a fórmula governativa, novas medidas ditadas imperiosamente pela crise vão aparecer – encarregando-se de fazer crescer a revolta de massas. É essa revolta que a esquerda tem de estimular.


O que há de novo na situação actual não é o fracasso das metas do governo nem as medidas recém-anunciadas – é a resposta maciça que lhes foi dada nas ruas. Foi isso que abriu a crise governativa. É isso que pode bloquear a política de austeridade.


11. AS MANIFESTAÇÕES DEMONSTRARAM que a miragem de aceitar sacrifícios em nome do futuro está a desfazer-se. Um número crescente de jovens e de trabalhadores aponta o dedo ao governo e à troika, rejeita a austeridade e reclama um novo rumo político. O importante é que esta ideia de mudança ganhe cada vez mais adeptos.


A continuidade deste movimento de protesto, o seu alargamento a novos sectores da população, a sua rejeição plena das medidas de austeridade, é portanto essencial para derrotar as forças que aprovaram e que aplicam o programa da troika.

A manifestação convocada pela CGTP para dia 29 deste mês será o próximo passo deste caminho, e nesse sentido deverá ter o apoio de todos os trabalhadores e de todos os que saíram à rua no passado dia 15.



20 de Setembro de 2012

Colectivo Mudar de Vida







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